[Atualizado em 1/6/2023]
Aaron Ross é uma das maiores referências do mercado quando o assunto é vendas. Engenheiro formado em Stanford, o americano foi diretor de vendas da Salesforce, umas das maiores empresas SaaS do mundo, entre 2002 e 2006.
Durante este período, implementou um método de prospecção que rendeu U$100 milhões às receitas da empresa. A experiência com o novo modelo de vendas foi contada em Receita Previsível, livro escrito por Ross e Marylou Tyler, e que se tornou um best-seller em todo o mundo.
Mas o que pensa o autor sobre o cenário atual de vendas? Na última semana, entrevistei Aaron Ross para falar sobre cold calling e evolução nos métodos de vendas nos últimos anos. Também conversamos sobre os impactos da pandemia nas vendas, no relacionamento com clientes e potenciais clientes e no trabalho de vendedores e profissionais de marketing.
Leia abaixo a entrevista com Aaron Ross
Vamos começar de forma fácil: o que é cold calling?
Cold calling é um termo antigo para usar o telefone e ligar para pessoas que não estão esperando sua ligação. Agora, se tornou um termo para qualquer tipo de abordagem fria, seja telefone, email ou mesmo pelo LinkedIn. Então temos o cold calling ainda hoje por telefone, mas usamos mais o termo de Outbound Sales para abordar prospects que ainda não te conhecem.
No seu livro Receita Previsível você fala sobre Cold Calling 2.0. O que mudou nas vendas que o cold calling precisou ser atualizado?
Eu trabalhei com cold calling quando estive na Salesforce há cerca de 15 anos e não achei que funcionava muito bem, pelo menos o cold calling clássico – pegar o número de telefone de um decisor e simplesmente ligar para ele. Esse tipo de abordagem ainda funciona hoje em dia, mas para mim não funcionou, não era efetivo e eu não gostava de fazer, então comecei a experimentar o telefone e envio de emails juntos, assim como o LinkedIn, testar outras formas de começar uma conversa com alguém que não me conhecia.
Eu era responsável por receber os leads que chegavam pelo site, filtrar os melhores, mandar para o time de vendas. No livro Receita Previsível eu falo que tive uma empresa que faliu, e um dos motivos foi que eu não sabia fazer vendas ou como montar e administrar um time de vendas. Então eu fui trabalhar com vendas para realmente aprender sobre o assunto.
Você fala que executivos de vendas não devem fazer cold calling porque eles não gostam, não são bons nisso e, mais importante, é um desperdício de dinheiro para a empresa, então você apresenta os conceitos SDR e MRR (Sales Development Representative e Market Response Representative). Mas em um país como o Brasil, com tantas empresas pequenas, nem todas elas têm como bancar todos esses profissionais em um departamento de vendas. Como um CEO de uma empresa pequena pode implementar o Cold Call 2.0 quando, muitas vezes, ele também é o responsável pela venda e por muitas outras coisas dentro da operação?
Essa é uma ótima pergunta. A resposta é: se tem só uma pessoa fazendo todas as vendas, normalmente é o empreendedor, o dono. Então é preciso organizar sua agenda, bloquear horários específicos para se focar nisso, seja um dia inteiro, duas manhãs por semana. Para uma empresa que realmente quer resultados com Outbound, é preciso ter ao menos uma pessoa 100% focada somente neste trabalho.
No livro você separa os leads em três tipos: seeds (sementes), que vêm da mídia e boca a boca; net, que vêm do marketing, e spears, que vêm do Outbound. Por que é importante dividir e entender os diferentes tipos de leads?
É muito importante que os empreendedores saibam de onde os clientes vêm, como eles descobrem que eu existo, e com isso eu posso recriar a forma de gerar uma conversão previsível. Esses tipos são muito diferentes, e conhecê-los é saber melhor como investir tempo e dinheiro na geração de leads, quais os leads são mais adequados para seu negócios.
Por exemplo, se você quiser dobrar seu faturamento do ano anterior, e no ano anterior você fez um milhão de dólares com mil leads, você pode pensar “ok, então preciso de dois mil leads para fazer dois milhões de dólares”, mas isso provavelmente não será real, pode ser que você precise de dez mil leads, pois se todos os leads do ano anterior vieram de indicação, esses são muito difíceis de gerar, então pode ser que seja preciso gerar dez vezes mais para conseguir leads com o perfil que você busca.
Conhecendo a diferença entre os tipos de lead você se torna mais inteligente quanto a saber o que é preciso fazer para crescer, em que locais investir, se precisa fazer mais Inbound ou focar em Customer Success ou Assessoria de Imprensa ou Oubound, pois são todos muito diferentes. Em algum momento você vai precisar fazer todos ao mesmo tempo, mas no começo é bom direcionar suas forças para aqueles mais adequados para o crescimento do negócio.
Me fale um pouco do seu negócio no Brasil, a consultoria Receita Previsível.
Começamos a cerca de três anos. Os livros e até mesmo a minha pessoa estávamos fazendo muito sucesso no Brasil. Não sei direito porquê. Acho que no Brasil as pessoas admiram pessoas bem-sucedidas e que também são pessoas de família, humanas, e não só trabalho, trabalho, trabalho. Também vejo que o ecossistema de startup e de negócios tem bastante fome de conhecimento e ambição. Não vejo essa determinação de empreender em outros países. Fora dos Estados Unidos, o Brasil é o país em que sou mais conhecido, então o meu time da Receita Previsível no Brasil ajuda com treinamentos em Outbound para empresas e às vezes eu vou participar de conferências.
Você vê o Inbound e o Outbound co-existindo por bastante tempo?
Sim. Se Outbound é ideal para sua empresa, sim. Para muitas empresas, não funciona. Na área de serviços, por exemplo, é mais vago. O Outbound é mais difícil se seus clientes são consumidores finais ou se você não tem um ticket médio alto por cliente e precisa de muitos clientes. Mas sim, Outbound e Inbound funcionam muito bem juntos. Nos Estados Unidos seria como “peanut butter and jelly”, uma combinação perfeita. Não sei como seria no Brasil…
Arroz com feijão!
Sim, perfeito! E mesmo que você venda para consumidores finais e o Outbound não funcione para essa venda, ainda pode funcionar para você buscar parceiros e para oportunidades de marketing. Quando você envia press releases e faz co-marketing, não deixa de estar fazendo alguma forma de Outbound.
Acredito que todas as empresas deveriam fazer Inbound, mas é preciso tempo, atenção e paciência para fazer os dois.
Vemos que Cold Calling 2.0 funciona muito bem com empresas B2B, empresas que trabalham com SaaS (Software as a Service). Você acredita que as empresas de SaaS deveriam trabalhar com Cold Calling 2.0 desde o primeiro dia?
Não necessariamente. Quando a empresa é muito jovem, é complicado. Se o fundador é apaixonado por isso, tudo bem, mas ele não vai fazer muito dinheiro no início. É preciso conhecer a fundo seu cliente ideal e como falar com ele para implementar o processo.
O ideal é começar só com Inbound ou só Outbound, então escolha um – o Inbound mesmo tem diversas formas para se fazer. Escolha um processo de vendas, faça por 6 a 12 meses, e depois analise se já está pronto para iniciar o outro processo. Se você já tem experiência em um deles ou uma grande empolgação, seja escrever conteúdo para Inbound, seja seguir a metodologia do Outbound, comece por isso.
Muitas startups iniciam com Inbound porque o custo é mais barato para começar…
Pode ser, mas o que vemos é que não acontece muito de os CEOs e fundadores se “mostrarem”, gravarem, escreverem, enfim, se mostrarem como pessoas. Eu, por exemplo, muita gente trabalha com a minha empresa porque eles me conhecem. Eu realmente encorajo fundadores e C-Levels a se mostrarem mais como pessoas para o mundo. Nesse momento com tanto medo e barulho na comunicação, pessoas simplesmente falando com outras pessoas geram muito valor para as empresas.
Eu ia te perguntar mais no final se você acha que é possível separar a vida profissional da pessoal, mas me parece que o que você está dizendo é que não é preciso.
Eu acho que você não precisa separar. Você precisa de tempo e barreiras mentais entre os dois. Eu pessoalmente tenho um calendário organizado, tenho nove filhos e minha esposa também trabalha fora. Então organizo meu tempo pessoal para escrever, caminhar, dormir, que é diferente do meu tempo pessoal para trabalhar, que é diferente do meu tempo para família, que também é diferente do meu tempo para o casamento.
Vejo que o tempo que você tira para seu foco mental precisa ser separado, mas quando você está no trabalho, sua vida pessoal vai influenciar e impactar. E isso ajuda com que as outras pessoas se conectem com você, sejam clientes, sejam seus próprios funcionários.
Sei que com tantas reuniões online, muita comunicação digital entre clientes e colaboradores o tempo todo devido ao momento atual em que estamos passando, é importante colocar mais humanidade no que você está fazendo.
E como você vê SDRs e Cold Calling 2.0 funcionando nesse cenário em que estamos passando?
As pessoas precisam perceber que essa não é a primeira vez que passamos por isso, mas com certeza é a pior. Muitas pessoas estão sofrendo, empresas quebrando, pessoas perdendo o emprego. É um grande problema sim, mas não deixa de ser uma oportunidade para as pessoas serem criativas com o que fazem no trabalho, recriar seus negócios e como sobreviver. Não sei quanto tempo vamos passar por isso, vai ser um ou dois anos de inferno para muita gente, mas tenho esperança que muitas pessoas saiam melhores.
Como você vê vendas e Cold Calling 2.0 no futuro, levando em consideração que teremos menos eventos presenciais, menos reuniões, nem sempre conseguiremos encontrar a pessoa certa no escritório.
Muitas das vendas e negócios vão mudar, tudo vai se tornar mais virtual. A maioria da venda “cara a cara” não vai voltar, e mesmo se voltar, não vai ser como era antes. Como a maioria da prospecção feita pelo telefone ou por vídeo, então penso que pela primeira vez os vendedores vão precisa readequar seu tempo, melhorar o processo de vendas e melhorar a humanização também, pois vão perder a conexão que é feita quando se conhece alguém pessoalmente. Sei que muitos vendedores devem estar sofrendo porque não estão acostumados a trabalhar de casa, são acostumados a trabalhar em viagens ou num escritório, e é difícil trabalhar de casa.
Você acha que os escritórios e a jornada semanal com horário fixo de trabalho serão algo do passado?
Com certeza muitas pessoas e negócios serão mais virtuais, muitos não vão voltar para os escritórios, e muitas pessoas vão preferir o trabalho remoto. Acredito que ainda teremos escritórios, mas serão em menor quantidade, com menos pessoas trabalhando neles. É como se tivéssemos a oportunidade de “resetar” nossas escolhas. Como você quer trabalhar? Você quer ficar num escritório ou não? Você quer trabalhar de manhã ou de noite?
E como você está administrando seu trabalho de casa, principalmente por ter nove filhos?
Eu já faço isso há bastante tempo, e sempre tivemos crianças pequenas, sempre tivemos crianças em casa. Eles têm de 3 a 21 anos de idade. Em janeiro nos mudamos para Edimburgo com os cinco menores, mas agora por causa da pandemia estamos com oito deles em casa – é possível que você esteja até ouvindo eles lá fora. Eu não tenho tranca na minha porta. A de três anos adora entrar aqui, mas eu não me importo, isso está acontecendo com todo mundo, temos crianças aparecendo no meio do trabalho de todo mundo, cachorros latindo. Uma vez num webinar ela veio, subiu no meu colo e caiu no sono, e muitas pessoas gostaram disso. O que vou fazer, ficar brabo com ela? Isso é ridículo.
Espero que as pessoas estejam percebendo isso, essa oportunidade de apertar esse botão de “reset”. Podem até repensar não só como querem trabalhar, mas com quem querem trabalhar. É um momento difícil e assustador para uma grande parte do mundo, mas é bom saber que vamos ficar bem. Se você tem saúde, abrigo, alimentação, pessoas que se importam com você (e nem todo mundo tem isso tudo), é tudo o que você realmente precisa.
Pode ser vergonhoso perder seu trabalho ou negócio? Sim. Você vai morrer? Não. Pode se tornar uma pessoa melhor? Sim. Credito meu sucesso na família e no trabalho a dois grandes fracassos quando era mais novo: fali uma empresa, perdi milhões de dólares, e passei por um divórcio. Essas foram as duas maiores derrotas da minha vida e que são responsáveis pelo sucesso que tenho hoje.
Quando você fala do botão de reset faz a gente pensar que muitos executivos repensando suas vidas. Antes eles nunca estavam em casa, trabalhavam todos os dias da semana, sempre viajando, sem tempo para estar com a família, e agora que estão em casa, as coisas estão mudando, eles estão vendo as coisas de outra forma. Você acha que as pessoas podem repensar suas vidas e fazer novas escolhas?
Muitos vão. Tenho certeza que têm muitos executivos – homens e mulheres – trabalhando de casa e percebendo que não gostam disso. E tem muita gente que gosta. Acredito que a pandemia vai contribuir inclusive para muitos divórcios. Essa mudança é muito forte nas pessoas, você vê como elas estão agindo diferente. Meus próprios filhos adolescentes estão com medo de sair de casa e pegar coronavírus. E estamos na Escócia, onde tem pouquíssimos casos. Tem muito medo no mundo. Também os acontecimentos nos Estados Unidos, com a morte de George Floyd, é um exemplo de como os humanos podem ser tão horríveis uns com os outros. E precisamos refletir sobre isso tudo. O que funciona para mim? E os executivos devem pensar o que querem do trabalho, da vida… Pode demorar meses ou anos para você se resolver, encontrar seu caminho, mas o que você espera disso? É realmente um botão de reset mundial que nunca tivemos antes.
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