Por Tamires Kleinkauf, assistente de mídias sociais da VOCALI
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Sempre gostei de assistir jogos de futebol, independente de ser masculino ou feminino. Via campeonatos de futebol com meu pai. Frequentei estádios para ver jogos do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Já fiz viagem bate-e-volta para o Rio Grande do Sul só para ver meu time de coração jogar a final da Copa do Brasil. Em menos de cinco minutos já perdíamos por 2 a 0, mas isso não vem ao caso.
Não contente em somente ver as partidas, resolvi jogar. Participava de campeonatos de futsal e de futebol de areia com outras meninas. Poucas garotas jogavam futebol naquele período, então quando eu não jogava com as meninas, ia até a casa de um tio para jogar com meu primo e outros amigos dele. Devo confessar que o ambiente era tranquilo. Não havia hostilidade e nunca passei por nenhum tipo de preconceito.
Durante esse período era incomum ler matérias que abordassem a prática do futebol por mulheres. A primeira jogadora que vi em um programa de jornalismo esportivo foi Milene Domingues. Tenho a impressão de que a Rainha das Embaixadinhas foi uma das precursoras para divulgar mais o futebol feminino. Mesmo com um cenário controverso, decidi que queria ser jogadora de futebol profissional.
Mas como eu poderia fazer do sonho de ser jogadora de futebol uma profissão?
É difícil conciliar treinos e jogos com outro emprego. Sim, a maioria das jogadoras brasileiras não podem se dar luxo de somente jogar futebol. Muitas desistem do sonho para aderirem à outra profissão, na qual possam ter uma remuneração adequada.
A prática da modalidade é relativamente jovem em nosso país: faz 36 anos que as mulheres podem jogar futebol. Em 1941, durante a Era Vargas, foi instituído o decreto-lei que proibiu a prática de algumas modalidade esportivas por mulheres, entre elas o futebol. A medida ficou vigente até 1983, prejudicou gerações e criou um cenário de percalços que refletem até hoje no futebol feminino.
Após 36 anos, as competições femininas não são consideradas profissionais no Brasil; atletas não recebem salários – salvo em clubes como o Santos que assinam a carteira de trabalho das jogadoras. Outro problema é que, de acordo com um levantamento feito pela Unisinos, somente 2,7% da cobertura midiática aborda os esportes femininos. Um dos dados que impulsiona essa situação é a falta de transmissão televisiva do principal campeonato do país: a Série A-1 do Campeonato Brasileiro.
Além disso, ocorre uma disparidade entre as premiações das competições realizadas pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol): o Campeonato Brasileiro Feminino Série A-1 premiou o Corinthians, que venceu a edição do ano passado, com o valor de R$ 120 mil. Enquanto o Palmeiras, campeão da edição de 2018, recebeu uma bolada de R$ 18 milhões.
Por esses e outros motivos resolvi que o sonho de ser jogadora de futebol profissional era algo hipotético e distante.
Substituição: saem meião e chuteira, entram bloco e caneta
Como não fui jogadora de futebol, resolvi fazer uma graduação com a qual tivesse a possibilidade de interagir nem que fosse um pouco com esse universo que tanto gosto. A escolha pelo jornalismo de certo modo preencheu um pouco esse vazio. Inclusive, fez com que lembrasse o tempo em que jogava bola: participei de campeonatos internos no jornalismo, jogos entre os cursos de graduação da UFSC e de uma edição dos Jogos Universitários de Comunicação Social, competição que reunia universidades de Santa Catarina e Paraná.
Além de jogar, tive a oportunidade de trabalhar com jornalismo esportivo durante a graduação. Fui voluntária no programa Salto Alto da Rádio Ponto UFSC, que trazia debates e comentários sobre futebol feitos somente por mulheres. Em outro momento, pude produzir um texto sobre o que para muitos é a maior rivalidade entre clubes do Brasil: o clássico Grenal. Acompanhei in loco o jogo da final do campeonato gaúcho de 2015 entre Internacional e Grêmio no Estádio Beira-Rio.
Mas, sem sombra de dúvidas, o que me proporcionou mais alegria foi o meu trabalho de conclusão de curso. Eu e uma colega fizemos um vídeo-documentário sobre a categoria de base masculina do futebol brasileiro. Acompanhamos o maior torneio de base do Brasil: a Copa São Paulo de Futebol Júnior, realizada em São Paulo. Lá você vê o campeonato de categorias de base mais democrático que pode existir: 120 equipes e aproximadamente 2.900 garotos em busca de uma oportunidade para alavancar a carreira. Entrevistamos jogadores e comissão técnica de um time de cada região do país e naquela uma semana que estivemos em São Paulo, pude realmente sentir o motivo de ter escolhido o jornalismo como profissão.
Em 2016, terminei minha graduação e parei de escrever sobre futebol. Mas só assistir aos jogos não estava satisfazendo meus anseios. Precisa escrever sobre o tema! Foi quando resolvi criar um blog com matérias e entrevistas sobre futebol em geral. Inclusive, escrevi uma matéria sobre como os clubes sofrem com a falta de patrocínio e estrutura.
O futebol feminino deveria ser um assunto mais recorrente nos noticiários esportivos e ser abordado sem reforçar preconceitos e estereótipos. Problematizar e mostrar as questões que envolvem essa discrepância entre o futebol masculino e feminino é importante e relevante para entender melhor a situação.
Enquanto isso, muitos talentos morrem em nosso país por falta de oportunidade, viabilidade financeira e carência de projetos estruturados que permitam a dedicação exclusiva à modalidade. Vai muito além de falar sobre um esporte, envolve questões de relações sociais e de igualdade de gênero. Quantas meninas tem o sonho de serem jogadoras e não conseguem realizar? Enquanto não mudar o sistema de como o futebol feminino é feito no Brasil, continuaremos sendo o “O País do Futebol Masculino”.
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