⌛ Tempo de leitura: 12 minutos
Por Eluana Mello, jornalista da Vocali
Muitos podem discordar, mas existe um momento crucial na história da música pop e da cultura de massa que é um divisor de águas na forma como a indústria fonográfica, artistas e mídia estabeleceram uma nova conexão. Esse momento pode ser dividido entre o antes e depois da Beatlemania. A afirmação, quando vinda de uma Beatlemaníaca situada nos anos 2000 – mais especificamente em 2018 – pode soar bastante suspeita mas, de fato, foi essa paixão pelos fab four que despertou em mim a curiosidade e a necessidade de desenvolver um olhar mais crítico para entender como os meninos de Liverpool se tornaram uma febre mundial lá em 1960, arrastando multidões até os dias de hoje.
Além do talento e do carisma defendido pelos fãs, – como esta que escreve – os Beatles também foram fruto da soma de estratégias de comunicação integrada de dar inveja a muitos assessores de imprensa, marketeiros e relações públicas por aí. O nome dessa equipe: Brian Samuel Epstein, ou ‘quinto beatle’ como dito por Paul McCartney em entrevista certa vez, e até mesmo pelo próprio livro que leva seu nome, lançado em 2015 e que conta um pouco da trajetória do homem que também foi o empresário dos fab four.
Epstein era descrito como um cara muito tímido, dono de uma loja de discos. Mas que já havia tentado a carreira no exército e no design de moda. Fazia gestão de um dos negócios da família quando foi trabalhar com os Beatles. Embora não tivesse nenhuma formação na área de comunicação, Epstein via na gestão de mídia uma forte ferramenta para fazer dos Beatles os mais conhecidos do mundo e não mediu esforços para que isso acontecesse: contratou profissionais da área (entre eles Tony Barrow) para que pudessem executar o trabalho técnico viabilizando as estratégias comunicacionais traçadas para trazer os resultados que hoje todos conhecemos.
Quando falamos de Beatles, sabemos que existe um conteúdo gigantesco sobre a história da banda, seus integrantes e bastidores, mas para essa lista separamos especialmente algumas das estratégias de Epstein que configuram o trabalho dele para além da parte administrativa da carreira da banda e que podem servir de inspiração.
1. Da rebeldia ao estilo arrumadinho: a gestão de imagem como ponta pé inicial
Os Beatles surgem para a mídia mesmo entre 1962 e 1963, período em que a América vivia grande tensão e conflito contra o capitalismo e contra a produção da cultura de massa, e acabaram por se tornar, diretamente, um produto idealizado por Epstein para esse sistema.
John, Paul, George e Ringo não pertenciam a famílias abastadas e deram os passos iniciais como Beatles tocando em lugares tidos como underground à época. Ganharam experiência musical ainda antes da fama, especialmente, nas turnês em Hamburgo, na Alemanha, e tinham uma identidade totalmente diferente. Vestiam jeans, jaquetas de couro, fumavam, bebiam no palco, falavam palavrões e viravam as costas para o público nos shows, estilo e comportamentos bastante comuns para as “estrelas de rock na época”.
Epstein, no entanto, trouxe uma proposta bastante inovadora para os Beatles e totalmente fora dos padrões daquela época. Cortes de cabelos padronizados, ternos para os músicos, orientações quanto ao uso dos palavrões no palco e uso de bebidas. Alertou para os riscos de imagem que certos comportamentos poderiam causar e como impactariam no resultado que os músicos queriam alcançar.
Obviamente, essas questões se atrelam muito ao apoio de profissionais de estilo, comportamento e até do próprio agenciador, mas a preocupação com a imagem é algo constantemente também trabalhado pela assessoria de imprensa, principalmente para posicionar o seu assessorado na forma com ele quer ser visto pelo meio em que está sendo inserido ou pretende se inserir.
Se de fato foi a forma mais autêntica para alcançar o estrelato? Pode ser que não. Mas os quatro músicos aceitaram o preço da mudança que trouxe o resultado esperado e se tornou algo muito bem aceito pelos jovens da época, a marca registrada da Beatlemania.
2. Perfil pelas mãos do assessor
Além de perceber a imagem como um dos itens cruciais para “vender” o trabalho dos Beatles, Epstein destacou-se também por identificar a importância do relacionamento com a imprensa para atingir seu público de interesse. Há relatos de que Epstein teria encomendado, em dezembro de 1962, entrevistas biográficas com cada um dos Beatles a Tony Barrow, relações públicas da Decca Records, que era responsável por escrever os encartes dos discos lançados pelos artistas agenciados pela gravadora. O material solicitado por Epstein, que seria divulgado à imprensa, devia estar pronto ainda antes do Natal de 1962.
O zelo excessivo pela imagem dos Beatles por parte de Epstein fez com que surgisse o convite a Tony Barrow para que fosse trabalhar como assessor de imprensa e relações públicas da banda. Em maio de 1963, Barrow passou a acompanhar os Beatles e foi o responsável por cunhar na imprensa mundial o termo Fab Four. Ao contratar um assessor de imprensa, Epstein reconheceu a importância da competência técnica para cuidar de seus agenciados. Este seria o canal para lidar com a imprensa, mesmo que Epstein ainda tivesse em mãos todo o controle estratégico para fazer os Beatles tão conhecidos quanto Elvis.
Ele assumia ali a importância de um aliado profissional na comunicação. O trabalho solicitado por Epstein a Barrow, de criar um perfil dos Beatles para divulgar à imprensa, muito se assemelha à composição dos press kits e press releases, que têm como principais funções apresentar o assessorado e divulgar seu trabalho para que eles possam ser possíveis pautas da imprensa.
3. Estratégia de Divulgação, Invasão da Beatlemania em terras americanas
Quando os Beatles começaram a planejar sua aterrissagem em terras americanas que se daria em fevereiro de 1964, Epstein e sua equipe já trabalhavam com meses de antecedência em uma estratégia de mídia grandiosa para a chegada aos EUA. Uma reportagem especial sobre a beatlemania havia sido preparada para ia ao ar no dia 22 de novembro de 1963 nas televisões americanas mas teve que ser adiada, por conta da morte do presidente John F. Kennedy.
O plano de Epstein também envolvia inserções das músicas dos Beatles na rádio, matérias especiais em jornais e revistas, exibição de documentários em telejornais e distribuição de panfletos para os americanos. Todas essas medidas foram cruciais para que os Beatles já contassem com uma legião de adoradores ao aterrissarem na América do Norte. A prova concreta do sucesso do trabalho exercido se evidenciava na chegada do grupo ao Aeroporto JFK, Em Nova York, onde uma coletiva de imprensa estava a postos esperando pelos rapazes.
Epstein conseguiu, com sua equipe, realizar uma das atividades mais desafiadoras no meio da assessoria de imprensa que é fazer jornalistas, jornais e demais veículos de informação enxergarem seu assessorado ou o trabalho desenvolvido por ele como notícia.
4. A prova do sucesso precisa ser mensurada
Durante toda a permanência dos Beatles nos Estados Unidos, houve cobertura massiva de toda a imprensa americana, os paparazzi cercavam, a todo momento, o prédio onde os rapazes ficaram hospedados. E esse resultado do trabalho de mídia tem fundamental importância para medir o trabalho realizado, e no caso da equipe de Epstein a resposta foi mais do que positiva. Estima-se que o volume de clipagens sobre os Beatles tenha chegado a 13.882 durante a primeira passagem da banda pelos Estados Unidos da América, com o plano de comunicação desenvolvido pela assessoria.
5. A Beatlemania também entrou em crise
Nem só de alegrias viveu a Beatlemania, e Epstein também teve seus momento de dor de cabeça com os Fab Four, certamente. O ano de 1966 foi altamente conturbado para os Beatles. Quando se está no topo, como no caso dos rapazes de Liverpool, é difícil sair ileso de situações críticas que possam ser predecessoras de uma crise de imagem e reputação.
Em março de 1966, Epstein já tinha sentindo o gosto amargo de uma crise após a polêmica declaração de John Lennon, na qual o músico comparava a fama dos Beatles a de Jesus Cristo. De acordo com registros, John Lennon teria dito em uma entrevista para o jornal The Evening Standard: “O cristianismo irá desaparecer. Vai diminuir e encolher. (…) Hoje nós [Beatles] somos mais populares que Jesus. Não sei quem vai desaparecer primeiro, o rock’n’roll ou o cristianismo”.
A declaração gerou grande conflito com os jornalistas e seguidores do cristianismo, além da própria igreja católica. Os Beatles passaram a ser rechaçados em suas coletivas, e alguns grupos chegavam a queimar os discos da banda. Após a declaração de Lennon, Brian Epstein teve que convencer John Lennon a se desculpar publicamente pelo ocorrido.
Pouco mais de um ano depois do lançamento da era psicodélica dos Beatles, exatamente em 27 agosto de 1967, Epstein foi vítima de uma overdose de remédios para dormir. Segundo John Lennon, um dos melhores amigos do empresário, naquele momento os Beatles sentiam que estavam em grande dificuldade. Em 10 de abril de 1970, foi oficialmente anunciada a separação da banda. A partir de então, cada um dos Beatles decidiu seguir carreira solo.
Mesmo sem conhecer perfeitamente os caminhos da assessoria de comunicação, Epstein já enxergava em meados de 1963 a importância da visão estratégica e dos trabalhos de gestão de imagem, relacionamento com a imprensa, monitoramento de notícias e relacionamento com outros públicos. Atividades que contribuíram para um resultado global, que se perpetua até os dias de hoje e que vão muito além da história dos Beatles.
Essas são ações estruturais da comunicação estratégica que hoje podem ser aplicadas para empresas, corporações e empresários que desejam impulsionar suas carreiras e escrever histórias tão inspiradoras quanto a de Epstein e dos meninos de Liverpool. Quer aplicar na sua empresa ações semelhantes às que os fab four usaram na estratégia de comunicação deles? Fala com a gente.
Confira os outros textos da série Nossa Voz:
→ Camisas e gravatas: minha história como assessora de Joe Jackson no Brasil
→ Dos aprendizados que a profissão te traz
→ Assessoria de imprensa e política: debates, desafios e experiências
Comentários estão desabilitados,